A presença de Aline Borges na novela “Dona de Mim”, interpretando uma das vilãs centrais da trama, reacendeu um antigo e polêmico debate nos bastidores do audiovisual brasileiro: a atuação sem o registro profissional conhecido como DRT (Delegacia Regional do Trabalho). Mesmo com uma carreira consolidada e participações em diversas produções de destaque, a atriz atua há mais de duas décadas sem o documento exigido por lei para o exercício formal da profissão de artista.
A situação coloca em xeque não apenas a legalidade da atuação da artista, mas também escancara as fragilidades e contradições do sistema de regulamentação do trabalho artístico no Brasil. A DRT, além de garantir direitos trabalhistas, é também uma espécie de selo de qualificação. Sua ausência, por mais talentoso que o artista seja, pode significar a exclusão de direitos previdenciários, falta de segurança jurídica em contratos e dificuldade de acesso a benefícios da classe.
Aline Borges iniciou sua carreira nos anos 90, em projetos ligados à dança e ao teatro. Com o tempo, migrou para produções televisivas e conquistou o público com sua expressividade e versatilidade. No entanto, ao longo de sua trajetória, nunca formalizou seu registro junto ao Ministério do Trabalho, uma exigência prevista na Lei nº 6.533/78, que regula a profissão de artista no país.
A justificativa para muitos casos semelhantes geralmente passa por questões burocráticas, desinformação ou mesmo pela dificuldade em cumprir os critérios exigidos para a obtenção do registro. Porém, no caso de Aline, que já possui currículo extenso e visibilidade nacional, a ausência do DRT gera perplexidade até mesmo entre colegas de profissão e sindicatos da área. Como é possível uma atriz com tantos papéis importantes e anos de carreira ainda estar à margem da regulamentação?
A resposta pode estar no próprio sistema de contratação das emissoras, que, pressionadas por prazos e demanda de elenco, muitas vezes flexibilizam as exigências formais, dando preferência ao talento e à popularidade em detrimento da documentação. Essa prática, embora comum, representa uma afronta à valorização da profissão artística e ao princípio de isonomia entre os trabalhadores do setor.
A repercussão do caso de Aline Borges também levanta outro ponto sensível: a dificuldade de fiscalização por parte dos órgãos competentes. Com um mercado que mistura CLT, contratos temporários e acordos informais, rastrear a regularidade profissional de cada ator e atriz se torna uma tarefa complexa, o que abre brechas para situações de informalidade prolongada.
Enquanto sindicatos e associações se mobilizam para pressionar por mais rigor na exigência do DRT e maior apoio à profissionalização dos artistas, o episódio expõe um dilema central: como equilibrar o reconhecimento do talento com o cumprimento das normas legais? A resposta pode passar por uma reformulação das políticas públicas voltadas à cultura, com foco em formação, acesso e regularização profissional.
Por ora, a presença de Aline Borges em horário nobre, sem o registro necessário, é tanto um símbolo de resistência quanto um alerta. Sua trajetória, marcada por talento e superação, também ilustra a fragilidade de um sistema que, muitas vezes, ignora suas próprias regras. E enquanto as câmeras seguem ligadas, nos bastidores, a urgência por mudanças grita mais alto do que qualquer vilã de novela.